28.2.04
Um jornal é um instrumento incapaz de discernir entre uma queda de bicicleta e o colapso de uma civilização.
(G. B. Shaw)
Fala aí!
(G. B. Shaw)
Fala aí!
Chapeuzinho Verde

Era uma vez, e só era porque nunca mais há de ser de novo, como aqueles sonhos bons que não voltam jamais, uma menininha muito bonitinha ainda adolescente mas muito linda. Ela tinha por volta de alguns poucos anos de vivência na primavera da vida e andava contente saltitante pelas estradas afora dos bosques mais inventados da literatura e sua vida se resumia nesse retrato como se as fadas existissem mesmo e os contos não passassem de histórias verídicas.
Era uma vez um belo dia, porque em todas as histórias da carochinha o dia tem que começar belo virar feio e por fim ter um desfecho belo que é para não assustar as criancinhas inocentes que vão ouvir as histórias da carochinha que foram criadas lá no tempo do arco da velha que ninguém se lembra mais. O nome da menininha muito bonitinha era Maria Lúcia mas todos a chamavam de Chapeuzinho Verde porque ela era palmeirense como seu falecido pai e adorava pensar que podia agradar ao defunto usando sempre a mesma vestimenta verde.
A mãe de Chapeuzinho Verde ficava sempre brava com ela por usar aquele chapeuzinho verde ridículo e dizia que qualquer dia uma vaca ainda iria confundir o gorro com capim e ela voltaria sem gorro para casa, quiçá mesmo sem cabeça se não tomasse cuidado. Na verdade a mãe de Chapeuzinho Verde só queria dissuadi-la da idéia de homenagear o falecido pai porque no fundo ela não acreditava que uma vaca inocente pudesse ter a perspicácia de atacar uma criancinha ainda adolescente mas muito linda. Na verdade a mãe de Chapeuzinho Verde não queria mesmo é se lembrar do defunto porque ela, ao contrário de todas as viúvas da literatura infantil, não era dessas viúvas resignadas que guardam luto para a vida inteira. Na verdade a mãe de Chapeuzinho Verde já tinha ardentes relacionamentos extraconjugais, primeiro com o leiteiro e outros eiros, depois com pessoas interessantes que ela conhecia pela Internet, tudo isso antes do falecido vir a falecer. Depois então ela descambou de vez e assumiu toda a sua veia adúltera incontrolável, agora que era viúva e via de regra não devia nada a ninguém. Por isso a mãe de Chapeuzinho Verde ficava sempre brava com ela por usar aquele chapeuzinho verde ridículo. A história da vaca era só pretexto bobo para enganar criancinha ainda adolescente mas muito linda.
A mãe de Chapeuzinho Verde mandou Chapeuzinho Verde ir visitar a vovó que morava numa cidade muito velha onde ainda não tinha Internet. Era para ela levar umas comidas novas e importadas para a vovó se deliciar porque a vovó adorava guloseimas, parecia criancinha ainda adolescente mas muito linda. A mãe de Chapeuzinho Verde na verdade inventou que a Chapeuzinho Verde precisava passar uns tempos com a vovó, que precisava levar comidas novas para vovó velha, que precisava ver vovó, fazer vovó sorrir, porque na verdade a mãe de Chapeuzinho Verde já estava enjoada um pouco da filha e só queria distância da filha mesmo que a filha fosse uma menininha ainda adolescente mas muito linda.
Chapeuzinho Verde entendeu direitinho as intenções de sua mãe mas como ela ainda não sabia que podia discutir das idéias de sua mãe ela decidiu que era melhor ir. Ela também estava interessada em ir ver a vovó porque ela nem se lembrava direito da vovó, pois ela só tinha visto a vovó pela última vez em mil novecentos e noventa e pouco e ainda era século passado. Como será que está vovó? Será que ainda não morreu? Será que sente dores, reumatismo, osteoporose, caduquice e outras coisas de velho? Vovó devia estar uma quinquilharia...
Chapeuzinho Verde estava afoita pois queria porque queria ir logo ver vovó. Mesmo porque um dia lhe falaram que a casa que vovó morava era numa cidade muito diferente da cidade que eles moravam e ela já estava mesmo de saco cheio e queria conhecer novos ares. Um dia ela ficou sabendo pelo computador que as cidades que ainda não tinham Internet eram pacatas mas ela achava que isso não era verdade pois um outro dia ela tinha lido que os mais velhos são sábios porque já viveram bastante e entendem melhor as coisas da vida, então ela concluiu que a vovó não ia morar num lugar chato porque afinal ela era muito velha e devia entender muito das coisas da vida.
No dia da partida, Chapeuzinho Verde começou a arrumar todos os preparativos para a viagem. Queria saber se ia de avião, mas a sua mãe disse que não porque o avião podia cair na cabeça de alguém e ia machucar, e também tinha que a casa da vovó ficava numa cidade velha que nem tinha aeroporto mas não era tão longe assim, dava para ir de cavalo, mas cavalos estavam raros numa cidade como a de Chapeuzinho Verde e ela ia demorar três dias para achar um cavalo e mais três para a viagem, então Chapeuzinho Verde decidiu ir de carro e arrumou um motorista. O motorista do carro era um dos amantes preferidos da mãe de Chapeuzinho Verde que ficou toda emocionada e triste por vê-lo partir com seus bigodes charmosos, e no fundo também tinha um pouco de medo que ocorresse algum acidente no trânsito perigoso de hoje em dia e matasse o seu amante.
No dia da partida, Chapeuzinho Verde começou a arrumar todos os preparativos para a viagem. Deu um beijo no rosto do motorista e pediu para que ele rezasse para São Cristóvão antes da viagem, porque um dia ela ficou sabendo que São Cristóvão protege os motoristas que viajam. Pegou um par de meias novas e molhou pela última vez as suas plantinhas de estimação, que eram todas mudas e não reclamariam por água, e morreriam em seguida porque a mãe de Chapeuzinho Verde não gostava de plantas que não falavam, mas Chapeuzinho Verde gostava de falar com plantas. Chapeuzinho Verde pegou algumas comidas novas importadas para a vovó e pôs na mala no meio das roupas para que o calor derretesse os doces e fizesse a maior meleca em tudo e assim inutilizasse ao mesmo tempo as roupas e a comida.
O motorista vestia um terno azul escuro com uma gravata toda colorida e ficava parecendo um daqueles motoristas de filmes de Hollywood. Um dia Chapeuzinho Verde leu na Internet que era tudo mentira os filmes de Hollywood e que os personagens eram apenas interpretados por pessoas que eram chamadas de atores e era tudo falso, ensaiado, não tinha nada de verdade. E quando ela ficou sabendo que as pessoas recebiam dinheiro para fazer personagens achou tudo uma prostituição horrível de valores. Mas o motorista era mesmo bonito e a Chapeuzinho Verde que era uma menininha ainda adolescente mas muito linda não era boba e já entendia das coisas e pensava que sua mãe não era boba não e sabia muito bem escolher com quem amar.
O motorista parecia um daqueles galãs de cinema. Não parecia mais o motorista, parecia galã de cinema, e Chapeuzinho Verde viu que era melhor parar de pensar naquelas coisas porque senão ela ia acabar se apaixonando pelo motorista e o motorista era motorista de sua mãe e não ia ficar legal se ela roubasse o motorista de sua mãe mesmo que sua mãe fosse chata com ela às vezes. Então ela não olhava muito para o motorista durante toda a viagem e o bosque que ficava dos dois lados da estrada era sua distração, onde ela via coelhos saltitantes e via que a natureza ainda sobrevivia, às escondidas, no novo século.
O carro era meio velho mas era bonito porque era vermelho e Chapeuzinho Verde gostava muito de vermelho, cor do sangue de quem come carne e beterraba, cor do amor, se é que amor e paixão têm lá suas cores, que devem ser multicores, que devem ser cores de muitas cores, que devem ser a soma e a subtração de todas as cores. Tinha um som dentro do carro que tocava uma música do Beethoven que ela já tinha ouvido há algum tempo atrás, e a música era bonita porque trazia lembranças para ela porque todas as músicas trazem lembranças do que se passou, sejam alegres ou tristes.
O carro era meio velho mas era bonito porque tinha quatro rodas grandes, imponentes, botando medo em todos os outros carros que ficavam andando na estrada como que intrusos do caminho de Chapeuzinho Verde. A buzina do carro, ela não sabia o porquê, fazia Chapeuzinho Verde se lembrar de um quadro do Van Gogh que ela tinha visto na casa da vovó em mil novecentos e noventa e pouco e já fazia muito tempo para ela que era nova mas ela conseguia se lembrar do quadro. E ela foi olhando para a buzina e vendo a mão bonita do motorista enquanto ouvia Beethoven e pensava na injustiça do mundo em deixar um músico surdo amargurado e um pintor decepar a próprio orelha ao invés de vender para o músico que precisa muito mais ouvir.
Quando ela chegou na cidade da casa da vovó ela viu que a cidade estava mesmo pequenininha, parecia que tinha parado com o tempo e um faroleiro que contava vantagem disse que a única coisa que crescia na cidade era o cemitério que também estava muito velho. Chapeuzinho Verde ficou com medo de que sua vovó estivesse debaixo de sete palmos de terra no cemitério velho. O carro era um carro velho no meio de uma cidade velha atrás de uma velha velha que podia estar debaixo de uma terra velha de um cemitério velho, mas ela não se importava em ser a única coisa nova, uma menininha ainda adolescente mas muito linda, no meio de tanta quinquilharia velha. E o motorista era bonito, garboso, galã.
Quando ela chegou na cidade ela se decepcionou e viu que o que ela tinha lido no computador devia ser mais verdade do que o que ela pensava a respeito dos velhos. A cidade era mesmo pacata e os velhos não deviam entender nada da vida porque sua vovó era bem velhinha e morava numa cidade velha e pacata. Então ela queria mesmo era saber quem era o dono da cidade para dar uma sova na cara dele pedindo explicações para toda a tristeza do lugar, afinal o dono da cidade tinha que arcar com suas responsabilidades e saber também onde era a casa da vovó de Chapeuzinho Verde, e Chapeuzinho Verde já estava começando a se preocupar com o estado de sua mala, que devia estar fedendo meleca de doces derretidos.
Foi quando o motorista se lembrou que sabia onde a vovó morava, e foi fácil de achar porque a cidade tinha poucas ruas, umas duas ou três só, e em frente de toda casa tinha uma plaquinha com o nome de quem morava ao invés de um simples número como na cidade normal. E na frente da casa da vovó de Chapeuzinho Verde estava escrito que lá morava a vovó de Chapeuzinho Verde, como se a vovó de Chapeuzinho Verde não tivesse nome nenhum e sua existência só se desse por ser a vovó de Chapeuzinho Verde. Chapeuzinho Verde pensou que isso fosse mimo de vovó e entrou correndo abrindo portão e porta e deixando cair mala e comidas novas importadas derretidas pelo calor e melecadas no meio das roupas.
Foi quando dentro da casa tinha um lobo mau parecido com aqueles das histórias da carochinha mas ele estava armado com uma pistola automática e tinha acabado de matar a vovó para vender os órgãos velhos da vovó para algum traficante de órgãos. Chapeuzinho Verde foi ficando com o rosto verde e verde e verde de raiva e medo e gritou bem alto estourando os vidros e os tímpanos do lobo e do motorista. Então o lobo mau se matou com um tiro no coração porque ele era pior do que o Beethoven e não suportaria a idéia de viver surdo. Então o motorista entrou lá dentro e surdo também decidiu se matar. Então a Chapeuzinho Verde percebeu que não saberia voltar sozinha para casa e achou legal aquele monte de gente morta e decidiu morrer também, só um pouquinho, para ver se era bom, pelo menos para experimentar, e se matou também.
Edison Veiga Junior
ouvindo Mutantes
Fala aí!
19.2.04
Soneto para Mariana viver de amor

Desaparecer em teus olhos como um náufrago
que se apaixona por ver o verde do mar;
Cambalear pelas calçadas feito um trôpego
que se embaraça nas melenas do amar.
Vivo num sonho: no coração um afago
e na caneta um poema pronto a brotar
- Um pouco da inspiração eu próprio trago,
Outro tanto é piração pura pra beijar.
Canto o instante, esperando-o eterno:
Verter teu sangue no que antes era meu;
Sentir meu peito palpitando quente e terno.
E se das mãos unidas se fizesse o céu
E se das exauridas peles o inferno
Lá e cá viveríamos no himeneu.
Edison Veiga Junior
NOTA AOS LEITORES: Vou ficar uma semana sem atualizar este bológue. Não, não vou pular carnaval nem desfilar em nenhuma escola de samba. Pretendo passar os próximos dias deitado numa rede, abraçadinho ao meu amor. Só isso. Ponto.
Fala aí!
Um editor de jornal é alguém que separa o joio do trigo - e publica o joio.
(Adlai Stevenson)
Fala aí!
(Adlai Stevenson)
Fala aí!
Só um, só um

Acena à cena:
Ouve um sussurro
Olvido um soluço
Só um
Só
Só um sussurro
Sol susto
Ouço
Houve um sussurro
Ouve um soluço
Houve um sol um
E um sussurro
De sal só
Só um
Hoje um soluço houve
Olvido um sussurro
Só
Ouve só
Um
Só um sussurro
Se sustenta
Se si sustenisse,
Dó.
Carlos Henrique Bernardino de Carvalho
e Edison Veiga Junior
iniciando uma promissora parceria
Fala aí!
18.2.04
Um correspondente estrangeiro é um sujeito que vive de hotel em hotel e pensa que o mais importante sobre qualquer coisa que esteja acontecendo naquele país é o fato de que ele chegou para cobri-la.
(Tom Stoppard)
Fala aí!
(Tom Stoppard)
Fala aí!
O EVANGELHO SEGUNDO OS RATOS
e a saga de universitários indefesos
No princípio, Deus criou o céu e a terra. A terra estava vazia, sem queijos e guloseimas; as trevas cobriam o abismo e um vento impetuoso soprava sobre as poças d’água das goteiras.
No catecismo dos ratos, a lição tinha um caráter de religião e de história. Porque ao mesmo tempo que eles oravam ao Deus onipotente, onipresente, onisciente, onírico, onimaginável e onimal, podiam conhecer como o mundo fora criado antes de existirem os mamíferos roedores. Um tempo pré-Ratão e pré-Rateva, juntos no Éden, comendo maçãs e sendo tentados porque toda nudez será castigada.
No princípio era o vestibular. E o vestibular se fez vaga e habitaram entre nós.
Quando depois de anos de penumbra total e fome, a casa foi aberta, a comemoração reinou no reino dos ratos. Os ratos poderiam voltar a roer a roupa dos reis de Roma. Enfim, moradores humanos! É o fim do jejum e da penitência.
Deus disse: “Fiat lux”. E o funcionário da CPFL veio e nos propiciou desfrutarmos da invenção de Edison. E Deus viu que a luz era boa, ainda que sujeita a apagões. E separou a luz das trevas, onde mora o [ex-]ministro Pedro Parente. À luz, Deus chamou “dia” e às trevas chamou “retenção de despesas”.
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1.
Móveis arrastados. Muito barulho. Limpeza.
Ratos apavorados convocam reunião extraordinária:
- Prezados colegas, a situação é calamitosa. É evidente que ser-nos-á de bom grado a instalação desses humanos na casa, uma vez que teremos abundante comida a fim de saciarmos nossa fome. No entanto, com toda essa arrumação e limpeza, muitos de nós estão sendo exterminados! – alarmou o prefeito Sr. Ratan Chis.
- Diz a Bíblia que ainda não é chegada a hora do Apocalipse, meus irmãos. Mas são os sinais do fim dos tempos. Vigiai e orai, porque vós não sabeis a hora. Purificai vossos corpos e vossas almas... – o religioso advertiu.
2.
Calor de Bauru, a limpeza virou uma farra com muita água no chão e cerveja nas mãos. Os jovens comemoravam, afinal haviam conseguido passar pelo funil do vestibular e estavam ali, prontos para a vida nova.
- Viva a República Caleidoscópio, onde a realidade é uma alucinação! – gritava Carlão enquanto descarregava uns móveis velhos que a turma comprara num feirão a preços módicos.
Soninha limpava o canto da sala e foi a primeira a notar que já haviam moradores na casa. Um ratinho foi tentar participar da festa e derrubou uma lata de cerveja...
3.
- As famigeradas ratoeiras já não nos metem mais medo. Só humanos ridículos pensam que uma armadilha tosca dessas pode nos capturar. Anos e anos de seleção natural nos garantiram a habilidade de não cair na arapuca. – comentou um jovem rato, presunçoso.
- Mas existem os tóxicos. São terríveis! – lamentou uma velhinha, com terço na mão.
- Pô tia, nem tanto. Se não formos à fundo, não tem grilo. É só doideira, curtição... O perigo é a overdose, mas tem risco não! A viagem vale a pena, faz a cabeça... – resmungou, chapadão, um rato-gonzo.
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Bauru (ou BigMac), 17 de abril de 2002.
Mãe:
Sei que é muito demodê eu ter que escrever cartinhas para você. Mas já viu, né!? Depois que cortaram o nosso telefone mesmo a gente implorando pro moço pelamordedeus... E-mail? Difícil com aqueles computadores jurássicos que reinam obsoletos no nosso câmpus. O jeito foi apelar, “carta social”, um centavinho.
Estamos morando em mais gente aqui. Sim, além do Carlão, da Soninha, do Teco e de mim, temos a companhia de adoráveis mamíferos roedores. Até levei alguns para o laboratório de biologia mas não adianta: eles se reproduzem rápido demais e não há como manter a homeostase desse sistema. Daqui a pouco eles vão dominar a República Caleidoscópio.
Já tentamos de tudo: vassourada, ratoeiras, veneno... Semana passada decidimos não ter mais comida em casa, para ver se a fome os faria procurar outra praia. Sem chance. Parece que eles já viviam aqui antes da gente e se consideram os donos da casa.
No mais tudo bem. Estudando um pouco, curtindo muito a facul. Pode deixar, estou me cuidando. Não se preocupe com as festas, elas não vão não acabar com a gente.
Um beijo para o pai e outro para você.
Carol
Ps.: Penso seriamente em arranjar um gato. A Soninha está com um que faz Ed. Física...
[Tãtã-tãtãtã-tã-tã-tã... Chamada a cobrar: após o sinal diga seu nome e a cidade de onde está falando]
- Mãe? Aqui é o Teco. Isso. Também, mãe, também estou com saudades. Tá, tá tudo bem. É tô estudando um pouco, mas estou gostando sim. Tô comendo direito sim. Vô só no Dia das Mães. Não mãe, pode deixar que eu tô me cuidando. Tô maneirando nas bebidas, não se preocupe. Namorada? Não, pelo menos oficialmente, afinal tenho que curtir as festas né, mãe?! Pode deixar que eu me cuido. Sabe o que é? A casa está infestada de ratos... É. Alguma idéia do que fazer? Não, mãe, não precisa vir aqui não. Não ia adiantar nada. O que? Já tentamos ratoeira, veneno, tudo. Até vassourada. A Carol andou até levando uns para o laboratório de biologia pra ver se diminuía um pouco. Eles já moravam aqui antes, se acham os donos da casa. Imagine, nossa querida República Caleidoscópio, ocupada por mamíferos roedores medíocres! Tá, vou tentar, então. Vamos ver. Tá. Manda um abraço pro pai. Valeu, mãe, um beijo.
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$$$ A SUA CHANCE DE GANHAR DINHEIRO $$$
A República Caleidoscópio está promovendo uma sensacional gincana. Durante todo o sábado, aquele que conseguir caçar mais ratos ganhará um prêmio de 100 reais em passes de ônibus e vales-marmita.
Informações: 5553 0939, com Carlão.
“Tudo bem, a idéia não foi tão genial assim. A gincana teve só dois inscritos, aliás dois colegas de sala que ficaram compadecidos com a causa nobre. Parece que ninguém estava a fim de exterminar os ratos da Caleidoscópio. Melhor seria fazermos uma festa. Viria mais gente, rolaria umas transas e uma farra merecida. Na verdade estamos precisando relaxar, os ratos nem são tão maus assim, dá pra conviver com eles.”
Enquanto isso...
- Não é possível. Não agüento mais esses humanos. Eu disse que era bem melhor morar numa casa de família, mas tinham que alugar essa casa para um bando de estudantes? Tinham? Eles não têm grana para comprar comidas mais sofisticadas e ainda ficam inventando armadilhas absurdas para tirar o nosso sossego... – dizia um ratão saboreando um resto de comida no chão da cozinha.
- Ora, ora... Não reclame. Aqui é bem melhor. Casa de família é tudo arrumadinho, não sobra essa comida no chão, nossa alimentação é muito mais difícil. Ouça a voz da experiência, meu caro, eu já morei em casa de família.
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- Dá-se o nome de rato, de modo geral, a todo mamífero roedor do grupo dos miomorfos e aos histricomorfos, da família dos equinídeos. Genericamente, pode-se dividir esse grupo de roedores em ratos-domésticos, da família dos murídeos, e ratos-silvestres, das famílias dos cricetídeos e equimimídeos. Os cricetídeos são ratos de pelagem macia e os equimimídeos possuem pelagem dura. Os verdadeiros caracteres de separação do grupo estão baseados na estrutura dos dentes e ossos cranianos.
- Ai meu Deus, por que fui prestar biologia? Por que? – Soninha, desesperada em sua aula, depois de passar a noite sem dormir, tentando caçar os ratos do Caleidoscópio.
- Os ratos-domésticos são considerados no Brasil espécies invasoras. As espécies mais prejudiciais são a ratazana ou rato-de-esgoto e o rato negro. A ratazana é...
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Caleidoscópio. Lucy in the sky with diamonds. Tem gente cantando, tem gente esperando a hora de chegar sexta-feira, de chegar feriado, de chegar férias, de chegar casa-comida-roupalavada-colinhodamamãe. Ausência de ratos. Mickey Mouse na TV, inofensivo. Sabe que agora eu vou torcer sempre para o Tom, não gosto mais do Jerry, não gosto mais do Jerry, não gosto mais do Jerry. Caleidoscópio. Lucy in the sky with diamonds. Without mice.
“Esta noite tive um sonho. Um sonho pesado, pesadelo, medo. Eu, sozinha, nua na cama, calor. Um rato começou a passear pelo meu corpo, delicadamente, fazendo cócegas. E eu até gostava. Sabe, quando ele passeava pelo meu corpo, pelas áreas mais recônditas... Credo! Aquele ser repugnante, e eu até gostava. Ando mesmo precisando de um namorado. Arranjar um gato para matar os ratos!”
- Os ratos devoram tudo quanto é comestível, desde cereais e frutas até a carne em decomposição, chegando mesmo a se entredevorarem. O que os torna mais perigosos, contudo, é o fato de serem portadores de germes de graves enfermidades, tais como a peste bubônica, a triquinose e o tifo. A famosa peste negra da Europa, ocorrida em meados do século 17, e as epidemias de peste bubônica no começo do século 20, como vocês devem ter estudado em História, foram devidas a uma excessiva propagação de ratos.
“Lembro da história do professor Tomás, lenda ou verdade, que foi estudar o desequilíbrio ecológico de um povoado lá nos confins da Inglaterra. O nome dele, aliás, era Thomas. Tinha a ver com ratos, mas não me lembro bem. Ah! sim, ocorria que os ratos acabavam com as plantações de grãos daquela comunidade. Então os maridos tinham de ir embora pra cidade, atrás de emprego. As suas esposas, muito sozinhas, arranjavam gatos para lhes fazer companhia. Os gatos acabavam com os ratos e as plantações novamente tinham sucesso. Os maridos voltavam, as mulheres davam fim nos gatos. E assim, as gerações se alternavam...”
- Combatidos sem cessar, sobretudo em épocas de epidemias, os processos mais correntes para exterminá-los são as ratoeiras e os venenos. Apesar de tudo, os ratos têm seu aspecto útil: a variedade albina, principalmente, é muito utilizada em nossos laboratórios de biologia. São ainda utilizados em grande escala nas investigações de genética, e empregados nos laboratórios de psicologia experimental. O camundongo, embora muito...
Caleidoscópio. Lucy in the sky with diamonds. Agora sim, corpos se entrecruzando, fim de festa, o prazer reinando absoluto. Caleidoscópio. No instante mágico as cores se misturam, os gostos se misturam, as almas se misturam. Quem inventou o amor? Não sei, não quero saber e nem saber quem sabe, quero é vivê-lo plenamente. Energias se misturam. Imagine all the people sharing our republic, you may say I’m a dreamer but I’m not the only one. Caleidoscópio. De quem são os lábios que me beijam? De quem são os braços que me tocam? De quem são as pernas que são minhas? Caleidoscópio.
But the dream is over: tinha um rato no meio do caminho, um rato voyeur que, não se contentando em contemplar-nos, decidiu participar e foi... a tragédia... Tinha um rato no meio do caminho, no meio do caminho tinha um rato. Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas... Na minha vida universitária. Na vida da república Caleidoscópio.
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Ok, nós perdemos. Ratos crescem, reproduzem-se, locupletam-se. Por isso alguns humanos são comparados a ratos, principalmente políticos. Por isso.
Vamos mudar de casa e deixar esta aos ratos. A República Caleidoscópio vai começar de novo.
Eis que eu estarei com vocês todos os dias, até o fim dos tempos, seja na graduação, seja na pós-graduação.
Edison Veiga Junior
ouvindo Raul Seixas
Fala aí!
No princípio, Deus criou o céu e a terra. A terra estava vazia, sem queijos e guloseimas; as trevas cobriam o abismo e um vento impetuoso soprava sobre as poças d’água das goteiras.
No catecismo dos ratos, a lição tinha um caráter de religião e de história. Porque ao mesmo tempo que eles oravam ao Deus onipotente, onipresente, onisciente, onírico, onimaginável e onimal, podiam conhecer como o mundo fora criado antes de existirem os mamíferos roedores. Um tempo pré-Ratão e pré-Rateva, juntos no Éden, comendo maçãs e sendo tentados porque toda nudez será castigada.
No princípio era o vestibular. E o vestibular se fez vaga e habitaram entre nós.
Quando depois de anos de penumbra total e fome, a casa foi aberta, a comemoração reinou no reino dos ratos. Os ratos poderiam voltar a roer a roupa dos reis de Roma. Enfim, moradores humanos! É o fim do jejum e da penitência.
Deus disse: “Fiat lux”. E o funcionário da CPFL veio e nos propiciou desfrutarmos da invenção de Edison. E Deus viu que a luz era boa, ainda que sujeita a apagões. E separou a luz das trevas, onde mora o [ex-]ministro Pedro Parente. À luz, Deus chamou “dia” e às trevas chamou “retenção de despesas”.
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1.
Móveis arrastados. Muito barulho. Limpeza.
Ratos apavorados convocam reunião extraordinária:
- Prezados colegas, a situação é calamitosa. É evidente que ser-nos-á de bom grado a instalação desses humanos na casa, uma vez que teremos abundante comida a fim de saciarmos nossa fome. No entanto, com toda essa arrumação e limpeza, muitos de nós estão sendo exterminados! – alarmou o prefeito Sr. Ratan Chis.
- Diz a Bíblia que ainda não é chegada a hora do Apocalipse, meus irmãos. Mas são os sinais do fim dos tempos. Vigiai e orai, porque vós não sabeis a hora. Purificai vossos corpos e vossas almas... – o religioso advertiu.
2.
Calor de Bauru, a limpeza virou uma farra com muita água no chão e cerveja nas mãos. Os jovens comemoravam, afinal haviam conseguido passar pelo funil do vestibular e estavam ali, prontos para a vida nova.
- Viva a República Caleidoscópio, onde a realidade é uma alucinação! – gritava Carlão enquanto descarregava uns móveis velhos que a turma comprara num feirão a preços módicos.
Soninha limpava o canto da sala e foi a primeira a notar que já haviam moradores na casa. Um ratinho foi tentar participar da festa e derrubou uma lata de cerveja...
3.
- As famigeradas ratoeiras já não nos metem mais medo. Só humanos ridículos pensam que uma armadilha tosca dessas pode nos capturar. Anos e anos de seleção natural nos garantiram a habilidade de não cair na arapuca. – comentou um jovem rato, presunçoso.
- Mas existem os tóxicos. São terríveis! – lamentou uma velhinha, com terço na mão.
- Pô tia, nem tanto. Se não formos à fundo, não tem grilo. É só doideira, curtição... O perigo é a overdose, mas tem risco não! A viagem vale a pena, faz a cabeça... – resmungou, chapadão, um rato-gonzo.
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Bauru (ou BigMac), 17 de abril de 2002.
Mãe:
Sei que é muito demodê eu ter que escrever cartinhas para você. Mas já viu, né!? Depois que cortaram o nosso telefone mesmo a gente implorando pro moço pelamordedeus... E-mail? Difícil com aqueles computadores jurássicos que reinam obsoletos no nosso câmpus. O jeito foi apelar, “carta social”, um centavinho.
Estamos morando em mais gente aqui. Sim, além do Carlão, da Soninha, do Teco e de mim, temos a companhia de adoráveis mamíferos roedores. Até levei alguns para o laboratório de biologia mas não adianta: eles se reproduzem rápido demais e não há como manter a homeostase desse sistema. Daqui a pouco eles vão dominar a República Caleidoscópio.
Já tentamos de tudo: vassourada, ratoeiras, veneno... Semana passada decidimos não ter mais comida em casa, para ver se a fome os faria procurar outra praia. Sem chance. Parece que eles já viviam aqui antes da gente e se consideram os donos da casa.
No mais tudo bem. Estudando um pouco, curtindo muito a facul. Pode deixar, estou me cuidando. Não se preocupe com as festas, elas não vão não acabar com a gente.
Um beijo para o pai e outro para você.
Carol
Ps.: Penso seriamente em arranjar um gato. A Soninha está com um que faz Ed. Física...
[Tãtã-tãtãtã-tã-tã-tã... Chamada a cobrar: após o sinal diga seu nome e a cidade de onde está falando]
- Mãe? Aqui é o Teco. Isso. Também, mãe, também estou com saudades. Tá, tá tudo bem. É tô estudando um pouco, mas estou gostando sim. Tô comendo direito sim. Vô só no Dia das Mães. Não mãe, pode deixar que eu tô me cuidando. Tô maneirando nas bebidas, não se preocupe. Namorada? Não, pelo menos oficialmente, afinal tenho que curtir as festas né, mãe?! Pode deixar que eu me cuido. Sabe o que é? A casa está infestada de ratos... É. Alguma idéia do que fazer? Não, mãe, não precisa vir aqui não. Não ia adiantar nada. O que? Já tentamos ratoeira, veneno, tudo. Até vassourada. A Carol andou até levando uns para o laboratório de biologia pra ver se diminuía um pouco. Eles já moravam aqui antes, se acham os donos da casa. Imagine, nossa querida República Caleidoscópio, ocupada por mamíferos roedores medíocres! Tá, vou tentar, então. Vamos ver. Tá. Manda um abraço pro pai. Valeu, mãe, um beijo.
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$$$ A SUA CHANCE DE GANHAR DINHEIRO $$$
A República Caleidoscópio está promovendo uma sensacional gincana. Durante todo o sábado, aquele que conseguir caçar mais ratos ganhará um prêmio de 100 reais em passes de ônibus e vales-marmita.
Informações: 5553 0939, com Carlão.
“Tudo bem, a idéia não foi tão genial assim. A gincana teve só dois inscritos, aliás dois colegas de sala que ficaram compadecidos com a causa nobre. Parece que ninguém estava a fim de exterminar os ratos da Caleidoscópio. Melhor seria fazermos uma festa. Viria mais gente, rolaria umas transas e uma farra merecida. Na verdade estamos precisando relaxar, os ratos nem são tão maus assim, dá pra conviver com eles.”
Enquanto isso...
- Não é possível. Não agüento mais esses humanos. Eu disse que era bem melhor morar numa casa de família, mas tinham que alugar essa casa para um bando de estudantes? Tinham? Eles não têm grana para comprar comidas mais sofisticadas e ainda ficam inventando armadilhas absurdas para tirar o nosso sossego... – dizia um ratão saboreando um resto de comida no chão da cozinha.
- Ora, ora... Não reclame. Aqui é bem melhor. Casa de família é tudo arrumadinho, não sobra essa comida no chão, nossa alimentação é muito mais difícil. Ouça a voz da experiência, meu caro, eu já morei em casa de família.
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- Dá-se o nome de rato, de modo geral, a todo mamífero roedor do grupo dos miomorfos e aos histricomorfos, da família dos equinídeos. Genericamente, pode-se dividir esse grupo de roedores em ratos-domésticos, da família dos murídeos, e ratos-silvestres, das famílias dos cricetídeos e equimimídeos. Os cricetídeos são ratos de pelagem macia e os equimimídeos possuem pelagem dura. Os verdadeiros caracteres de separação do grupo estão baseados na estrutura dos dentes e ossos cranianos.
- Ai meu Deus, por que fui prestar biologia? Por que? – Soninha, desesperada em sua aula, depois de passar a noite sem dormir, tentando caçar os ratos do Caleidoscópio.
- Os ratos-domésticos são considerados no Brasil espécies invasoras. As espécies mais prejudiciais são a ratazana ou rato-de-esgoto e o rato negro. A ratazana é...
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Caleidoscópio. Lucy in the sky with diamonds. Tem gente cantando, tem gente esperando a hora de chegar sexta-feira, de chegar feriado, de chegar férias, de chegar casa-comida-roupalavada-colinhodamamãe. Ausência de ratos. Mickey Mouse na TV, inofensivo. Sabe que agora eu vou torcer sempre para o Tom, não gosto mais do Jerry, não gosto mais do Jerry, não gosto mais do Jerry. Caleidoscópio. Lucy in the sky with diamonds. Without mice.
“Esta noite tive um sonho. Um sonho pesado, pesadelo, medo. Eu, sozinha, nua na cama, calor. Um rato começou a passear pelo meu corpo, delicadamente, fazendo cócegas. E eu até gostava. Sabe, quando ele passeava pelo meu corpo, pelas áreas mais recônditas... Credo! Aquele ser repugnante, e eu até gostava. Ando mesmo precisando de um namorado. Arranjar um gato para matar os ratos!”
- Os ratos devoram tudo quanto é comestível, desde cereais e frutas até a carne em decomposição, chegando mesmo a se entredevorarem. O que os torna mais perigosos, contudo, é o fato de serem portadores de germes de graves enfermidades, tais como a peste bubônica, a triquinose e o tifo. A famosa peste negra da Europa, ocorrida em meados do século 17, e as epidemias de peste bubônica no começo do século 20, como vocês devem ter estudado em História, foram devidas a uma excessiva propagação de ratos.
“Lembro da história do professor Tomás, lenda ou verdade, que foi estudar o desequilíbrio ecológico de um povoado lá nos confins da Inglaterra. O nome dele, aliás, era Thomas. Tinha a ver com ratos, mas não me lembro bem. Ah! sim, ocorria que os ratos acabavam com as plantações de grãos daquela comunidade. Então os maridos tinham de ir embora pra cidade, atrás de emprego. As suas esposas, muito sozinhas, arranjavam gatos para lhes fazer companhia. Os gatos acabavam com os ratos e as plantações novamente tinham sucesso. Os maridos voltavam, as mulheres davam fim nos gatos. E assim, as gerações se alternavam...”
- Combatidos sem cessar, sobretudo em épocas de epidemias, os processos mais correntes para exterminá-los são as ratoeiras e os venenos. Apesar de tudo, os ratos têm seu aspecto útil: a variedade albina, principalmente, é muito utilizada em nossos laboratórios de biologia. São ainda utilizados em grande escala nas investigações de genética, e empregados nos laboratórios de psicologia experimental. O camundongo, embora muito...
Caleidoscópio. Lucy in the sky with diamonds. Agora sim, corpos se entrecruzando, fim de festa, o prazer reinando absoluto. Caleidoscópio. No instante mágico as cores se misturam, os gostos se misturam, as almas se misturam. Quem inventou o amor? Não sei, não quero saber e nem saber quem sabe, quero é vivê-lo plenamente. Energias se misturam. Imagine all the people sharing our republic, you may say I’m a dreamer but I’m not the only one. Caleidoscópio. De quem são os lábios que me beijam? De quem são os braços que me tocam? De quem são as pernas que são minhas? Caleidoscópio.
But the dream is over: tinha um rato no meio do caminho, um rato voyeur que, não se contentando em contemplar-nos, decidiu participar e foi... a tragédia... Tinha um rato no meio do caminho, no meio do caminho tinha um rato. Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas... Na minha vida universitária. Na vida da república Caleidoscópio.
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Ok, nós perdemos. Ratos crescem, reproduzem-se, locupletam-se. Por isso alguns humanos são comparados a ratos, principalmente políticos. Por isso.
Vamos mudar de casa e deixar esta aos ratos. A República Caleidoscópio vai começar de novo.
Eis que eu estarei com vocês todos os dias, até o fim dos tempos, seja na graduação, seja na pós-graduação.
Edison Veiga Junior
ouvindo Raul Seixas
Fala aí!
17.2.04
Hoje não tem poema
Porque eu não consegui fazer o soneto que queria.
Fala aí!
Fala aí!
16.2.04
As notícias a respeito da minha morte têm sido bastante exageradas.
(Mark Twain, desmentindo as notícias de sua morte)
Fala aí!
(Mark Twain, desmentindo as notícias de sua morte)
Fala aí!
Curador

Não sei de que lado do espelho moro.
Se sou flexo, procuro o nexo;
Se sou reflexo, não sei...
Embebido de sono,
tento convergir esquinas que dobro
à cata de um freezer
onde guardar os preços.
Não sei de que lado do espelho estou
na sala-de-estar, de estar sentado ,
de sentar estando pras visitas
mesmo não estando pra si próprio.
Não sei, nunca sei...
Cuspo sangue nessas mesmas
esquinas dobradas
feito lenço
guardadas no meu bolso.
O freezer pifou, como tudo pifa na vida
- até ela própria
agora e na hora de nossa morte amém!
Os preços, ah ah ah!
Edison Veiga Junior
ouvindo Pink Floyd
Fala aí!
15.2.04
Por mais incrível que possa parecer...
Autofagia Poética Mínima

Por terra as correntes
Quero a liberdade!
Na guerra que mentes
Procuro a verdade...
Sou um prisioneiro:
Amarrado às chamas
Costurando a morte
Ouço que me chamas
(Num átimo ensurdecedor quero apagar o que já escrevi.
Busco uma reluzente nova espécie de poesia que não condiz
com o que existe.
Avanço o sinal vermelho.
Bato no mestre velho.
“Calma! Calma, poetinha...”
Desarrumo toda a métrica.
Enquanto penso que penso.
Logo, talvez eu exista em algum lugar do universo, em verso
em prosa, em versos prosaicos, ou ainda em palavras nuas, cruas, tuas.
O que é mesmo uma coisa bela?)
Não sou mais prisioneiro costurando a morte
Agora tenho a liberdade, caíram as correntes
Costuro a morte apenas pelo prazer da vida!
Ouço que me chamas, não mentes, me amas...
Edison Veiga Junior
ouvindo Hermeto Pascoal
Fala aí!
14.2.04
13.2.04
Férias Profícuas
É só você dar comida para a imprensa que ela fica quieta.
(Mustafá Contursi, odiado presidente do Palmeiras)
Fala aí!
(Mustafá Contursi, odiado presidente do Palmeiras)
Fala aí!
I

- Cabrália.
- O que?
- Cabrália.
Chovia torrencialmente do lado de fora da escura caverna. Os instantes de silêncio foram tão agudos que podia se ouvir nitidamente o eco renitente dos pingos da chuva batendo nas pedras.
Na escureza, nada se via, tudo se imaginava. O breu lato sugeria algo estranho no ar. Impalpável. Indelével. Foi no âmago da curiosidade, num misto de medo e compaixão, que a moça retomou a conversa:
- O que significa Cabrália?
- É o que estás pensando. O Brasil poderia sim ter sido batizado com este nome, homenageando o aventureiro Cabral. Não pretendo discutir contigo se cabem na pessoa de tal navegante português méritos para receber tal idílio, mas a História tem muito dessas: vangloria-se quem desmerece e esquece-se de quem precisa.
- Quem és? Como sabes o que estava a pensar?
- Ainda não é necessário que saibas quem sou. Só o fato de estares aqui já indica que teu espírito, tua alma, teu “eu” é capaz de suportar um elevado grau de reflexão. Meditação, talvez. Por enquanto continuemos com o assunto que te trouxeste aqui.
- O Brasil!?... ou melhor, a Cabrália.
- Sim. Foi um descuido da História. Nomes realmente não importam para nós, que somos seres privilegiados, autônomos das convenções em geral. Servem apenas para rotular coisas e pessoas, com o intrínseco objetivo de não confundirmos o fulano com o beltrano. Mas foi sim, um descuido da História. Com certeza porque mal sabiam que isto aqui era um protótipo de País – talvez o seja até hoje!
- Percebo. A nação tupiniquim provavelmente era mais povo, mais unida, mais nação do que o atual Brasil...
- Com toda a certeza. Não temos unidade de raça, ideário, ou mesmo idioma. Nunca teremos talvez. Contudo não é essa a questão. Desde sempre os homens que podem trocam entre si pseudo-elogios e flores sem merecimento. Por isso poderia ser Cabrália.
- Não foi por descuido.
- Exatamente. E por que os espelhos também te atormentam?
- Como sabes?
Mais uma vez pôde-se ouvir o silêncio ecoando pelas paredes lúgubres daquele local inóspito e ao mesmo tempo agradável. Desta vez, porém, o som da chuva era acompanhado pelos frenéticos batimentos cardíacos da moça, cada vez mais altos.
Ele não respondia.
- Tudo bem – tornou a moça –, sinto que ainda não posso saber.
- E por que estás a pensar nos espelhos, então?
- Tudo pode ser parábola – disse, condizente, sem titubear –, mas creio que aquilo de os portugueses darem espelhos para os nativos da terra tem um sentido especial.
- Continue.
- Ao olhar para o próprio rosto, aqueles seres de pele ruborizada, que também são seres humanos, irmãos da gente, se punham a refletir sobre a opressão física e cultural que estariam sofrendo a partir dali.
- Ou veriam um mundo doente.
Edison Veiga Junior
ouvindo Chuck Berry
Fala aí!
12.2.04
Terra

Gira, gira, gira
Giramundo, mundo giramundando imundo
Gira tanto que estás tonto
Gira, gira, gira
Tem gente que cutuca onça com vara curta
E tem onça que nem tem vara pra revidar
Tem mudo de cumbuca que diz que não escuta
E tem surdo que é cego só pra não olhar
Gira, gira, gira
Giramundo, mundo giramundando imundo
Um apetecimento desnecessário
Fraco de sentimento
Manco de mesmice tônico-fônica
(Se eu risse não teria graça!
Por isso queria não rir.)
Tem gente que mente pra própria mente
E tem mente que acaba aceitando a mentira
Tem parvo que se finda sem virar semente
E tem semente que ainda planta vira
Gira, gira, gira
Giramundo, mundo giramundando imundo
Gira tanto que estás tonto
Gira, gira, gira
Depois pára que eu quero descer.
Edison Veiga Junior
ouvindo U2
Fala aí!
11.2.04
Uma carta doutros tempos
[achada entre meus arquivos de computador, uma carta que foi escrita há quase três anos]
Taquarituba, maio de 2001.
Século XIX. Dois anos depois de Auguste Comte ter afirmado categoricamente que jamais o ser humano conheceria a composição das estrelas – e isso era um conceito que iria provocar para sempre a existência da humanidade –, Gustav Kirchhoff inventou o espectroscópio, assassinando a idéia do seu contemporâneo. Logo depois, o jovem Albert Einstein divertia-se na escola Politécnica suíça, imaginando um dia viajar atrelado a um raio de luz.
São meras coisas. Fatos banais talvez de um dia que não nos chega ou já nos passou. Que importa? Marcas do que se foi e do que nunca será... Queria ser estrela para morrer e me tornar gigante vermelha, agonizante, depois morrer mesmo de verdade, anã vermelha, anã branca, anã negra, buraco negro, um buraco na parede, corpos selvagens...
Século XXI. Você me pergunta o que tenho feito. O que faço? Penso, logo existo; existo, logo penso. Isso não é resposta que se espere de um cara da minha idade com a nescilidade que me é característica primária. Quem sou? O que faço?
Faço poemas, mentiras, retratos, estranhos esboços. Pinto um quadro que não é surreal nem traça os sonhos do mundo. Às vezes, dormindo, ouço o repicar dos sinos da igreja e penso no racionamento de energia. Às vezes, dormindo, finjo que estou acordado para ver para crer para se ver, para te ter no fundo em meus braços num longo abraço de não mais saber.
Você já olhou para a lua com os olhos que lacrimejam paixão? Já encarou a face estreita que parece conter São Jorge e sua prosopopéia dragão – o dragão carrega em seus ombros o peso dos desvarios de toda a idade da raça humana.
Devo estar chato hoje. Mas pensei em te escrever justamente depois de ler que “o inferno são os outros”. Só Drummond acreditava, em meio a um oceano de filósofos pessimistas, que a convivência é boa, é proveitosa, é divertida – qual era mesmo a palavra que ele usava, sábio? não me lembro, não sei, minha cabeça está à toa...
Devo estar chato hoje. Desculpe-me; juro que não tinha a intenção de te aborrecer tampouco de ser inconveniente. Apenas queria desabafar, e o papel tem aceitado essas coisas medíocres que escrevo na vastidão incólume do giramundo vastomundo raimundo imundo (se o mundo fosse raimundo seria uma rima não uma explicação).
Devo estar chato hoje. Renitente, sem saúde, não estou tributável. Tinha vontade de comprar conhecimento na lojinha de 1,99, mas lá não são vendidos livros. Que pena, amor, que pena. E pensar que a saudade é diretamente proporcional ao avesso da simetria que nos prende e nos confunde... E pensar que somos tão jovens... E pensar que sequer pensamos direito.
Devo estar chato hoje. Esse meu discurso não servirá para nada. Será mais uma carta que passará por suas mãos e será arremessada pela janela – defenestrada – ou, pior, encestada na lixeirinha do banheiro.
Devo estar chato hoje. Deve ser a saudade, o clima gélido... o cheiro do seu perfume que imagino em minhas narinas como se você estivesse ao meu lado agora... Mas você não está... Por que será?
Beijos do perturbado chato.
Edison Veiga Junior
ouvindo Legião Urbana
Fala aí!
9.2.04
Se você fizer um curso [de datilografia] é capaz de deixar o jornal para ganhar mais como datilógrafo.
(Samuel Wainer, ao jornalista João Leite Neto, "catador de milho")
Fala aí!
(Samuel Wainer, ao jornalista João Leite Neto, "catador de milho")
Fala aí!
Acridofagia Espontânea

Trago um estrago comigo,
Um cigarro que trago,
Um pigarro (que estrago!),
Um sarro que estrago.
Sou acridófago.
Somos todos índios imberbes democratizados pela imbecil sociedade;
Somos todos poetas anônimos lutando em busca da felicidade;
Somos todos fracos brasileiros querendo sempre mais dinheiro;
Somos todos bebuns desmotivados correndo da água do chuveiro;
Somos todos vermes nojentos atrás de algum lixo pra comer
Enquanto pálidos cientistas não querem curar o HIV.
Sou acridófago.
Nada é perfeito!
Por isso nadamos neste oceano da perfeição;
Por isso sucateamos tijolos de construção;
E amamos os males de nossos coração.
Tua tristeza é vazia.
Sou acridófago.
Quero cuspir-te um catarro estragado
Tragando um cigarro que trago de carro
E se a cigarra canta eu canto um sarro
Tragando a indecência de um pigarro assim
Nada é perfeito.
Ninguém é feliz.
Todos tomam no nariz
E dizem não ter defeito.
É um despeito
Eu sou suspeito
Por ser acridófago!
Edison Veiga Junior
ouvindo Alceu Valença
Fala aí!
4.2.04
O jornalismo moderno tem uma coisa ao seu favor: ao nos oferecer a opinião dos deseducados, ele nos mantém em dia com a ignorância da comunidade.
(Oscar Wilde)
Fala aí!
(Oscar Wilde)
Fala aí!
Algo existencial

Cansei do câncer e da canção
Agora sou sozinho e meu instante é triste
Mas não há poema em que caiba minha dor.
Tropeço em nuvens sem titubear
Ando com medo de altura e às vezes o ar me falta
Mas vôo porque vou ao léu como os pássaros:
Errante, persigo a migração dos sentidos no céu
E cruzo e sigo oceanos de perigo...
Quem vem comigo?
Cansei da causa e das coisas
Construo casas para contemplar ocasos
Mas no fundo sou um mergulho ao acaso
Por acaso.
Jogo dados com Deus
E dedilho estrelas musicais
Mas o estribilho – estampido – sempre me foge
Assim como água por entre os dedos:
Meus medos, meus segredos, meus degredos
Tudo o que degrada minha imaginação
Fingindo que agrada enquanto agride...
Afinal, de que lado do espelho estou?
Cansei de ser humano!
Edison Veiga Junior
ouvindo Frank Sinatra
Fala aí!
3.2.04
1.2.04
Aos Leitores

Faz tempo que não me dirijo aos dezessete leitores deste bológue - que a esta altura dos trágicos acontecimentos que assolam a humanidade já devem ter sido drasticamente reduzidos para dois ou três.
Bom, vou ser rápido, prometo. Mas a informação é importante. Vocês sabem como a sociedade teima em não reconhecer os gênios enquanto eles estão vivos. Pois bem, a sociedade teima; eu não! E então quero divulgar o bológue de um amigo meu, o Zebra, também conhecido como Brinquedo, vulgo Carlos Henrique. O cara vai revolucionar a arquitetura. Aguardem!
Aproveitando a sessão marquetingue, pra quem não sabe eu tenho um fológue. Passem lá.
Edison Veiga Junior
ouvindo U2
Fala aí!
Um repórter de rock é um jornalista que não sabe escrever entrevistando gente que não sabe falar para pessoas que não sabem ler.
(Frank Zappa)
Fala aí!
(Frank Zappa)
Fala aí!
Plistoceno
Às vezes fujo do zoológico
Ou atravesso paredes!
Paro as redes lógicas da comunicação,
Penso que sou meio fantasma,
Que nada, anda alma afogada,
Lama e plasma.
Caço cometas nas fotografias antigas,
Refaço as metas que lias na primavera:
As quimeras são todas minhas amigas!
Plasmolizado percebo o plistoceno
Donde pequeno imaginário vim
Ouvindo rádio
Sorrateiro e triste
Como um violão quebrado:
Ao lado do chiste, o poema-canção.
Tem dias que sofro quieto.
Noutros morro
Ou penso deslizar no teto.
(Perto do preto há o branco,
Há o banco proibido:
Tinta fresca.)
Edison Veiga Junior
ouvindo Nat King Cole
Fala aí!
Ou atravesso paredes!
Paro as redes lógicas da comunicação,
Penso que sou meio fantasma,
Que nada, anda alma afogada,
Lama e plasma.
Caço cometas nas fotografias antigas,
Refaço as metas que lias na primavera:
As quimeras são todas minhas amigas!
Plasmolizado percebo o plistoceno
Donde pequeno imaginário vim
Ouvindo rádio
Sorrateiro e triste
Como um violão quebrado:
Ao lado do chiste, o poema-canção.
Tem dias que sofro quieto.
Noutros morro
Ou penso deslizar no teto.
(Perto do preto há o branco,
Há o banco proibido:
Tinta fresca.)
Edison Veiga Junior
ouvindo Nat King Cole
Fala aí!